terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Faça o bem... e diga para quem!

Não há coisa que mais me revolte do que receber "notícias" relatando as "boas práticas" de "responsabilidade social ou ambiental" de empresas, pessoas e entidades das mais variadas, como vem ocorrendo com triste frequência.

Acho simplesmente horroroso fazer algo por algum grupo ou comunidade, que se encontra em situação de dificuldade social, econômica ou de saúde, e sair alardeando isso mundo afora. Que falta de ética, de civilidade, de amor ao próximo e à humanidade!

Aprendi desde criança que um ser humano realmente preocupado com o mundo que o cerca, sinceramente atuante nas causas sociais, deve "fazer o bem sem dizer a quem". Doar seu tempo como voluntário, conseguir verbas, equipamentos ou mesmo doar alimentos aos que precisam nunca deveria ser alardeado.

Comentar em público esse tipo de ação de responsabilidade social era considerado muito grosseiro no meio em que eu vivi a infância e a juventude. Uma verdadeira falta de educação! Além do mais, responsabilidade social sempre me foi ensinada como uma ação natural do ser humano responsável. Algo que deveria estar sempre presente no dia a dia dos seres civilizados por toda a sua vida.

E, se todos devem ter sempre a mesma atitude responsável para com seus semelhantes... Como vangloriar-se disso? Não há mérito: é obrigação!

Vejam o release absurdo que recebi ontem:

"""AMWAY DOA 332 MIL DÓLARES ÀS VITIMAS DO HAITI"""
Empresa comunica a morte de 4 distribuidores no terremoto.

Pode haver algo mais absurdo do que isso? Em primeiro lugar - em letras garrafais - o marketing da empresa sobre a desgraça de um povo. E, na linha fina, em letras pequenininhas, o que deveria ser o foco para a comunidade da empresa: 4 de seus colaboradores mortos.

Simplesmente vergonhoso!

E tem mais: criaram-se rankings e prêmios para as empresas "socialmente responsáveis", que recebem suas "láureas" em grandes festas-show de premiação, criadas unicamente para atrair holofotes e ampliar cada vez mais a visibilidade da empresa na mídia. A responsabilidade social, que deveria ser uma atitude natural das corporações, exercício da cidadania, transformou-se em uma estratégia de marketing, um exibicionismo grosseiro.

Isso me faz ter sérias dúvidas sobre se gosto de viver no mundo de hoje...

Acho que meu prazo de validade venceu!

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Saudades de Elis....

Tenho muitas saudades de ver Elis Regina cantando. Não me lembro de ninguém tão completa como ela sobre um palco. Tinha voz poderosa, dicção perfeita, um gingado de corpo e alegria no cantar que contagiava! Costumo ouvir amigos e familiares da minha idade repetirem o mesmo, exaltando os intérpretes maravilhosos como Elis que tínhamos "naquela época". E comentando que "quase nada de qualidade surgiu depois".

Mas quando me assalta a tentação de fazer coro... lembro da opinião que meus pais e meus avós tinham sobre a música dos anos 60 e 70, que eu adorava, de João Gilberto, Edu Lobo, Geraldo Vandré, Milton Nascimento, Caetano e Chico. As opiniões eram péssimas. Diziam que a Bossa Nova e a MPB tinham melodias e letras paupérrimas, sem harmonia, sem ricos arranjos, e que os intérpretes eram sofríveis, "sem voz". O rock´n roll, então, era "puro barulho ensurdecedor".

Meus avós exaltavam as valsas e chorinhos de Zequinha de Abreu, Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth, assim como as interpretações poderosas de Vicente Celestino e Enrico Caruso. Meus pais, crescidos no pós-Guerra, aclamavam Bing Crosby, Nat King Cole e Frank Sinatra como sendo verdadeiros e maravilhosos intérpretes.

E pior: eu mesma comecei, nos anos 90, a menosprezar o que meus filhos adolescentes ouviam e curtiam. E alegando os mesmos motivos: pobreza melódica, letras simplórias e sem conteúdo, pouco mais que refrões repetidos à exaustão.

Custou para "cair minha ficha"! Custei a perceber que cada geração tem a música e os intérpretes adequados às suas filosofias, costumes, conhecimentos e cultura. E que as coisas que "descobrimos" na adolescência e juventude se tornam referências por toda a vida. E se isso ocorre em tudo, também acontece com a música.

Assim, não é de espantar que nossos avós, acostumados a ler partituras complexas de melodias sinfônicas, valsas e chorinhos, e treinados em linguagem musical desde os primeiros anos da escola, abominassem as "simplificações" que vieram nas gerações posteriores.

Da mesma forma, seria absurdo esperar que a geração atual - que não recebeu ensinamento musical na escola ou em casa, tem pouca familiaridade até mesmo com livros e praticamente só se informa pela TV e pela internet - gostasse das letras elaboradas de Chico Buarque, ou do fraseado musical complexo de Ernesto Nazareth (existem exceções, é claro, mas são minoria).

E então compreendi que música também é história - com passado, presente e futuro. E como meu “presente” foi de John F Kennedy, Martin Luther King, Guerra do Vietnã, Movimento hippie, Twigg, Fellini, Pelé, Beatles, Chico e Caetano.... o “presente” dos meus filhos é de Obama, Mandela, Gisele Bundchen, George Lucas, Queen, Guerra do Golfo, Green Peace, Michael Jackson, Ronaldinho, Daniela Mercury e Carlinhos Brown.

E sabe-se lá o que haverá no “presente” de meus netos e bisnetos... Só sei que eles vão adorar!